Setembro Amarelo: mais de 200 municípios do Amapá, Mato Grosso, Pará e Tocantins criam fluxo de atendimento pela saúde mental de adolescentes

Por Instituto Peabiru
Publicado em 30/09/2022

A ação integra o conjunto de respostas aos impactos na saúde emocional de adolescentes, agravado na pandemia, em uma agenda estratégica conduzida pelo Selo UNICEF.

Estudantes participam de ação de promoção da saúde mental em escola de Monte Santo. Foto: divulgação do município

O cenário dos impactos à saúde mental de adolescentes, principalmente durante a pandemia, movimentou os 124 municípios paraenses que fazem parte do Selo UNICEF, edição 2021-2024. Os municípios, durante aproximadamente cinco meses, identificaram as principais demandas e necessidades em saúde mental de adolescentes e mapearam equipamentos, projetos e recursos humanos de promoção à saúde. A ação integra um conjunto de estratégias do Selo UNICEF, edição 2021-2024, que visa melhorar os indicadores sociais ligados às infâncias e adolescências e, até o momento, 212 municípios concluíram este processo nos estados do Amapá, Pará, Mato Grosso e Tocantins, que teve como resultado a criação do fluxo de atendimento à saúde mental para adolescentes. Este documento, por sua vez, norteará a implantação do serviço psicossocial especializado até 31 de dezembro de 2022. 

A necessidade de suporte ao bem-estar psicológico é grande neste contexto de pandemia, que impacta a saúde emocional de crianças e adolescentes. Em agosto de 2022, estudantes entre 11 e 19 anos ouvidos em pesquisa do Fundo das Nações Unidas pela infância (UNICEF), em parceria com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC), afirmaram que é necessário que a escola ofereça atendimento de profissionais para apoio psicológico (80%), e espaços em que eles possam falar sobre os sentimentos (74%). Segundo os entrevistados, no entanto, esses dois itens nos três meses que antecederam a pesquisa, só foram oferecidos por 39% e 43% das escolas, respectivamente.

A psicóloga e mestra em educação, Alessandra Xavier, da Universidade Estadual do Ceará, consultora responsável pela criação dos documentos auxiliares e formação das equipes técnicas dos municípios, para a criação dos fluxos em saúde mental no Selo UNICEF, reafirma que o papel da escola é fundamental no fortalecimento do bem-estar psicológico de meninos e meninas. “O ambiente escolar precisa ser acolhedor e oferecer proteção, recursos de fortalecimento da autoestima e de confiança na capacidade de resolver problemas”, declarou a consultora durante a primeira aula virtual de construção do fluxo de saúde mental em junho de 2022. 

Mobilização intersetorial pela saúde mental

Em Nova Xavantina (MT), um dos 53 municípios do Mato Grosso que fizeram o fluxo, a equipe tem se empenhado para dar conta das demandas que chegam. O fluxo ajuda na organização das equipes e na prestação de um serviço mais ágil e humanizado. A enfermeira do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Viviane Dunck, explica como a construção do fluxo, por meio do Selo UNICEF, impactou positivamente o município. “Antes do Selo UNICEF, a demanda do município não tinha uma direção regulamentada sobre o fluxo do adolescente, de modo que o usuário fazia uma peregrinação entre a rede municipal até encontrar o atendimento condizente a problemática apresentada e mais adequado ao caso.  A instituição do fluxograma vem trazer a solução a esse problema. Com a rede municipal articulada, a demanda acolhida é orientada ao destino correto. A reestruturação da rede de saúde mental, com a contratação de novos profissionais e adequação do serviço foi o principal passo para essa conquista”, relata a profissional.

Em Figueirópolis d’Oeste (MT), o fluxo também foi construído recentemente. Segundo o psicólogo Leonardo Oliveira, “a atenção em saúde mental existia, porém não era realizada de forma intersetorial – e o Selo UNICEF traz essa possibilidade de integração dos setores em prol das crianças e adolescentes”. Atualmente no município o fluxo de atenção em saúde mental vem sendo implementado com êxito. O psicólogo relembra o processo de criação do fluxo. “Foi uma ação em conjunto, onde resolvemos dividir o recebimento de demandas de atenção em saúde mental via Centro de Referência da Assistência Social (CRAS)/ Saúde e Conselho Tutelar e acolher via Projeto Integração (Rede de Educação). Após o acolhimento, é realizada avaliação da demanda com a equipe multiprofissional e vê-se a possibilidade de processo terapêutico com o profissional em saúde mental especializado”. 

Parauapebas (PA) é um dos 84 municípios paraenses que concluíram a elaboração do fluxo de atenção à saúde mental de adolescentes. O supervisor da rede de atenção psicossocial do município, Wagner Dias Caldeira, celebra os avanços conquistados por meio da elaboração do documento. “Ao construir a biblioteca do cuidado nós observamos que não conhecíamos todas as potencialidades do município. Nós identificamos associações, serviços e pessoas que desenvolvem ações que podem ter um fator protetivo para saúde mental de crianças e adolescentes”, reflete Wagner. Ao todo mais de 100 instituições e iniciativas foram mapeadas durante a elaboração do fluxo. 

Em Monte Santo (TO), um dos 60 municípios do Tocantins que concluíram o fluxo, a assistente social do CRAS do município, Delba Mair, destaca que durante a elaboração do documento, o município pôde identificar seus pontos fortes e fracos e a partir deles alcançar melhorias significativas que impactam positivamente a qualidade de vida da população. O município não possui CAPS ainda e precisa deslocar os usuários que necessitam do serviço para o município vizinho de Paraíso do Tocantins.

No entanto, a equipe multiprofissional de Monte Santo se esforça e está comprometida com a qualidade do atendimento ao usuário.  Ela destaca, por exemplo, a contratação de um psiquiatra para o quadro. “Antes do Selo UNICEF esse atendimento de saúde mental era feito pontualmente através da equipe de saúde com a profissional de psicologia. Depois do Selo nós tivemos a contratação do psiquiatra devido a grande demanda. Apesar de vir só uma vez ao mês, o que para a gente ainda é uma fragilidade, não deixa de ser um ganho muito importante porque antes não tinha”. 

No estado do Amapá, 15 municípios elaboraram o documento que orienta os encaminhamentos para o atendimento de adolescentes no que se refere à saúde mental. O mobilizador de adolescentes do Selo UNICEF de Itaubal (AP) , Odenir Rozário, destaca que esta ação é primordial para o bem-estar de adolescentes e jovens. “A juventude está sendo vista com um olhar diferenciado a partir desta estratégia de atendimento à saúde mental”.

Mobilizador de adolescentes Odenir Rozário em ação alusiva ao setembro amarelo em Itaubal. Foto: arquivo pessoal

Olhar diferenciado que não esquece quem mora distante da sede do município. Itaubal possui 17 comunidades ribeirinhas e no fluxo existe a preocupação em garantir este atendimento com qualidade a partir das ações itinerantes já realizadas. “As ações itinerantes são feitas de acordo com o cronograma de ações da secretaria de saúde pelo menos 3 vezes ao ano para atender as comunidades ribeirinhas. Os atendimentos oferecidos incluem clínico geral, odontologia, vacinação, atendimento psicológico, atendimento às mulheres etc”.

Laranjal do Jari (AP) foi outro município a concluir a atividade. Na elaboração do fluxo, as demandas mais prevalentes foram a violência doméstica, conflitos familiares e uso abusivo de álcool. Além das principais demandas, o município mapeou suas fragilidades e potencialidades no atendimento à saúde emocional de meninos e meninas. A mobilizadora de adolescentes do Selo UNICEF, Victória Santiago, aponta algumas descobertas. “Entre nossos pontos fortes, destacamos a existência dos equipamentos do CRAS, Centro de Referência da Assistência Social (CREAS), Centro de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e a Casa de Apoio à Criança e ao Adolecente. Eles demonstram a potencialidade de espaços para trabalhar sobre políticas voltadas à Saúde mental de forma intersetorial, onde ofertam atendimentos e acompanhamentos”. 

Adolescentes e a saúde mental 

Ter o fluxo de atendimento à saúde mental de adolescentes é um passo importante e necessário para melhorar a vida de meninos e meninas nos municípios. Por isso, os Núcleos de Cidadania de Adolescentes desenvolveram muitas ações de sensibilização para a promoção da saúde mental por meio de palestras, rodas de conversas e atividades lúdicas neste mês de setembro amarelo. Em Itaubal (AP), para a adolescente Raquel Chermont, 17, integrante do Núcleo de Cidadania de Adolescentes (NUCA), as atividades desenvolvidas trouxeram bons resultados. “Hoje eu procuro conviver e estar ao lado da minha família e amigos para poder ajudar e ter ajuda também. A promoção da saúde mental ajuda adolescentes a construir resiliência para que possam lidar com situações difíceis e adversidades”. 

Em Laranjal do Jari, Hanna Reckziegel, 17, também participou das palestras promovidas pelo NUCA de seu município nas escolas. Segundo a jovem, sua percepção mudou após participar dos eventos. “Passei a entender que muitos adolescentes passam pelos mesmos problemas e dificuldades, e que todos precisam de apoio”, garante. Como uma liderança protagonista em Laranjal do Jari, a adolescente sabe que o conhecimento precisa ser compartilhado. “É importante para sabermos como ajudar uns aos outros,  dar conselhos. Falar que temos que viver o hoje, se divertir, sair de casa, sabendo disso podemos repassar para outras pessoas”, declara a jovem. 

Para  Jhonata Pinheiro, 16 anos, integrante do NUCA de Parauapebas (PA), uma de suas maiores preocupações quando se fala em saúde mental é quando o estado de sofrimento da pessoa é tão grande a ponto de se automutilar ou até mesmo cometer suicídio. Quem vê Jhonata ser um protagonista e defensor da causa não imagina que ele já chegou a pensar que sofrimento emocional era “frescura, coisa de louco ou de quem é fraco”. Após participar de encontros, palestras e rodas de conversa sobre o tema, principalmente em sua escola, a percepção mudou radicalmente. “Precisamos ter consciência e informações sobre o assunto, até para que possamos ajudar outros adolescentes”, afirma.

Alunos participam de palestras sobre a promoção da saúde mental em Parauapebas. Foto: divulgação do município

No Tocantins, o NUCA de Monte Santo (TO) proporcionou à adolescente Ester Lima uma grande mudança de visão sobre seu bem-estar psicológico. É que a adolescente de 17 anos não percebia que sua saúde mental estava necessitando de cuidados. Sua mãe sempre a alertava de que ela precisava equilibrar a rotina de estudos que geralmente a deixava muito estressada e com crises de choro e ansiedade. Após participar de palestras e de dialogar com a mãe, Ester não perdeu tempo e decidiu buscar atendimento com uma psicóloga. O resultado não poderia ter sido melhor.

Com o suporte profissional adequado, adolescente não apenas melhorou sua saúde mental, como agora ajuda outros adolescentes. Durante o setembro amarelo de Monte Santo, a menina participou de rodas de conversa e nestes espaços pôde compartilhar suas experiências. “Foi bem legal porque não era só eu falando, tiveram outros adolescentes e profissionais da área falando de uma forma mais descontraída. Foi muito bom ter um assunto sério tratado de um jeito simples. Isso abriu muito minha mente”, declara.

A adolescente Mariana Bairros, 16, participa do NUCA do município de Nova Xavantina (MT). Ela relata que se preocupa com o aumento de suicídios entre adolescentes e jovens. Por isso, busca manter-se informada sobre o assunto por meio de palestras, rodas de conversa e caminhadas que ocorrem no município sobre o tema. “A partir das iniciativas em que participei como adolescente do NUCA, eu pude perceber o quão importante é estar informado sobre saúde mental, depressão, ansiedade e suicídio, pois, só com informação poderemos saber o que fazer e com quem contar quando estivermos passando por essas situações e até mesmo ajudar nossos amigos. Esses ensinamentos podem salvar vidas”, declarou a adolescente.  

Em Figueirópolis d’Oeste, Kevelly Vieira tem 15 anos e também participa do Núcleo de Cidadania de Adolescentes. A menina destaca algumas situações que afetam a saúde mental dos meninos e meninas do seu município, entre elas estão a separação dos pais, o abuso sexual, conflitos familiares, bullying, pressão para ser quem não é e para se encaixar nos padrões que a sociedade impõe, falta de apoio em casa e relacionamentos abusivos.

Kevelly acredita que todo o adolescente deve ser empoderado para conhecer seus direitos, qualidades, capacidades e ser feliz. Por isso, ela dá o exemplo e participa ativamente de ações de promoção da saúde mental, e foi participando de uma palestra que mudou a visão que tinha sobre a depressão.  “Vi como ela acontece e no que resulta. Vi que consigo ajudar alguém e também me auto ajudar, porque antes pensava que a depressão era uma doença incurável e esquecida”. Hoje, Kevelly faz a diferença fortalecendo a si mesma e aos seus amigos para que, apesar das dificuldades, possam enfrentar os desafios com uma boa saúde mental. 

Selo UNICEF

O Selo UNICEF é uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para estimular e reconhecer avanços reais e positivos na promoção, realização e garantia dos direitos de crianças e adolescentes em municípios do Semiárido e da Amazônia Legal brasileira. Nesta edição, a saúde mental de crianças e adolescentes é um dos temas a serem trabalhados pelos municípios que aderiram à estratégia. 

Clique no botão abaixo e acesse o quantitativo e a  lista de municípios que elaboraram o fluxo de saúde mental para adolescentes nos estados do Amapá, Mato Grosso, Pará e Tocantins.

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